6 de jul. de 2011

História do Sujeito Leitor - Resenha Crítica

Tendo como base o texto de Orlandi, em “A história do sujeito leitor: uma questão para a leitura”, viemos aduzir algumas reflexões quanto às questões propostas pelo texto.
A leitura é um ato de decodificar, interpretar, entender, dar sentido, tanto ao texto quanto ao mundo que nos rodeia. Ler, para alguns, significa soletrar, “agrupar as letras em sílabas”, colher, buscar sentidos no interior do texto ou mesmo roubar, já que o leitor tem a possibilidade de retirar do texto sentidos que estavam ocultos. O leitor cria até significados que, em princípio, não tinha autorização para construir. A questão que Orlandi propõe é justamente quanto à construção do significado. Quem o constrói e como é constituído. Sua assertiva é que toda leitura é produzida, e seu modo de produção efetivo depende tanto da história do leitor quanto da história da própria leitura. A tese principal, já que a leitura é intimamente ligada ao discurso de uma sociedade, implica à autoridade do estado sobre as formas de conhecimento dos textos escritos. O estado, ora denominado, é a instituição ou escola que leva ao aluno as novas formas do conhecimento escrito do texto literário. Orlandi questiona a qualidade e infalibilidade que a instituição presta ao aluno sobre a leitura. Para tal, cita as formas de reducionismos lingüísticos, pedagógicos e sociais, que excluem os conhecimentos prévios que o aluno traz, entre outras formas de linguagem, e de seu ambiente natural. E o que Fávero replica: “a compreensão de um texto é um processo que se realiza pela ativação do conhecimento prévio, isto é, a memória, onde estão guardados nossos conhecimentos”, responsáveis pela maneira como identificamos e/ ou interpretamos o texto. O aluno quando chega à escola traz consigo suas experiências sobre a linguagem, a fala, a forma como interpreta e produz a realidade. Dado esse fato, a escola ignora o conhecimento prévio do aluno e o molda conforme suas políticas pedagógicas.
Tratando da história de leitura do leitor e seu conhecimento prévio de mundo, Fávero informa: “como as pessoas sabem o que acontece no texto é um caso particular da questão de como as pessoas sabem o que acontece no mundo”. Essa sentença reflete também a história da leitura do texto, porque, segundo a teoria da enunciação, a intenção do falante (escritor) antecipa a interpretação do destinatário (leitor) que, ao mesmo tempo, reconstrói a intenção e/ ou informação pragmática do falante (escritor). A relação de interpretação do sujeito-leitor com o texto depende dos significados construídos pela história. Sua produção é sócio-histórica e contextual. Por esse motivo, a instituição tem o objetivo de resgatar esses sentidos, a maioria apagados pelo tempo, e reportá-los aos alunos para que uma interpretação mais verossímil se faça. O problema está na perspectiva diacrônica desses sentidos. O tempo distancia-os de seus referentes no texto. Por exemplo, “quando os exércitos dos(as) cruzados(as) pilhavam as terras muçulmanas, declaravam seus submetidos como impuros. Como contrapartida, certo povo formou um pequeno e mortífero exército para se defender. Esses exércitos ganharam fama na região e ficaram conhecidos como protetores – eram hábeis carrascos e trucidavam o inimigo onde quer que o encontrassem. Eram afamados não só por seus extermínios brutais, como por celebrá-los, entregando-se ao entorpecimento causado pelo uso de drogas. Uma das drogas mais utilizadas era o hashish, ou haxixe [em português]. À medida que sua notoriedade se espalhava, esses homens letais começaram a ser conhecidos por uma única denominação. Hassassin – literalmente, “os adeptos do haxixe”. O nome hassassin tornou-se sinônimo de morte em quase todas as línguas. A palavra ainda é usada hoje. Mas assim como a arte de matar, a palavra também evoluiu. Hoje se pronuncia assassino”. Esse notório distanciamento do signo linguístico é o principal obstáculo para a construção do que Orlandi chama de leituras parafrásticas ou polissêmicas. Dada a composição e globalização dos sentidos, os alunos vêem-se mais propensos a realizar leituras parafrásticas, ou seja, leituras cuja interpretação produz o mesmo sentido sob várias formas, ao contrário da leitura polissêmica que produz sentidos diferentes, e é, sem contradições, a adaptação de uma realidade, causa dos distanciamentos supracitados. Então, como definir um texto como legível se o seu referente idôneo não é conhecido pelo aluno. Orlandi faz e reponde à pergunta, afirmando que “é a natureza da relação [sócio-histórico-ideológica] que alguém estabelece com o texto que está na base da caracterização da legibilidade”. (ORLANDI, 2006:8). A sociedade, a história, o discurso ou ideologia determinam a leitura do leitor, ou seja, a consciência não só nada pode explicar, mas ao contrário, deve ela própria ser explicada a partir do meio ideológico e social. (Bakhtin, 1995:35). Parte daí a explicação de Orlandi sobre o assujeitamento do leitor, dado que esse é determinado pela instituição, “o controle do sujeito pelo estado diminui a liberdade de modificar o que o texto diz”. O sujeito-leitor é um indivíduo circundado por um determinado grupo social que tem suas histórias, sua língua, sua cultura. Todo o seu comportamento, sua fala, seus valores, seus direitos e deveres, mesmo o seu pensamento e o seu lugar na sociedade são determinados pelas ideologias que comportam o grupo social. Fato que acaba originando a ilusão discursiva do sujeito. O sujeito-leitor vai “reproduzir discursos que a princípio parecem individuais, mas que são na verdade, são preexistentes à sua existência”. Pois, o ser humano já nasce inserido num conjunto social que reproduzirá e determinará nele, os discursos e as ideologias do seu ambiente.
Toda leitura depende dos seus elementos intertextuais. Quando se relaciona a compreensão da leitura à história da leitura do texto, interfere-se não só na produção do mesmo, mas na história de seu produtor, o escritor, suas fontes, e sua determinação sócio-histórica. O texto acaba sobrecarregando a visão de mundo num mesmo indivíduo. O todo existe nas suas partes, mas uma parte só é compreensível no todo. (Cassirer, Ernest apud Bakhtin, 1995:33). É difícil para o leitor reunir o todo, pois toda informação velha aparece-nos nova, com nova roupagem, nova visão, novos sentidos. Não é possível resgatar, para o sujeito-leitor, essas informações velhas, pois o ato de interpretar e dar sentido ao texto está intimamente ligado aos sentidos que o contexto social o propõem. Dessa forma, a realidade do sujeito-leitor funciona como uma chave que abre porta a porta as impressões e representações das leituras, dos textos. O pensamento não é senão esse poder de construir representações das coisas e de operar sobre essas representações. (BENVENISTE, 1976:29).
Como trabalhar com a questão da leitura parafrástica e a leitura polissêmica dentro da escola e como agir na escola em relação à formação do sujeito-leitor? São questões finais que Orlandi propõe e que poderiam ter a seguinte resposta: a leitura parafrástica é prática comum entre os alunos porque estão envolvidos numa sociedade de múltiplas linguagens, o processamento das informações, os novos meios de distribuição da informação à massa, a mídia eletrônica, o rádio, o jornal, a internet, a televisão, produzem sentidos que homogeneízam a representação do mundo, tornando-o vazio, desgastando o signo linguístico. Os referentes do texto se tornam tão ligados à atualidade social e à criatividade que a função de conotar, comutar e recriar as informações, atribuir sentidos inexistentes, num primeiro plano, ao texto, se torna escassa. O sujeito-leitor, que deveria ser agente e intérprete de sua leitura, atinge o grau-dez na reprodução da mensagem ou leitura parafrástica e o grau-zero na criação de sentidos, de inovação e adaptação da realidade, estando para sempre preso às ideologias, aos discursos e às realidades que a instituição o impõe.
Sérgio Ventura.
Indicação Bibliográfica:
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 7. Ed. São Paulo: Hucitec, 1995.
BENVENISTE, Emile. Problemas de Linguística Geral I. Campinas: Pontes, 1995.
FÁVERO, L. L. Coesão e Coerências Textuais. 9. Ed. São Paulo: Ática, 2002.
Hassassin. Disponível em: <http://ocatatonico.blogspot.com/2008/05/hassassin.html>. Acesso em: 08 maio 2009.
NEVES, Maria H. de Moura. Gramática Funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e Leitura. 7. Ed. São Paulo: Cortês, 2006.