O carnaval está chegando, e como em todos os anos, é hora de
inverter os valores. Deixar as frustrações do dia a dia na gaveta, as
seriedades no ralo e as hierarquias no esgoto. Nesse carnaval só vale mesmo a
euforia, a descontração e a igualdade. É o povo que estará na avenida, não o
patrão ou a patroa, o pai ou a mãe, que controlam o como deve ser feito.
As roupas passadas
ficarão no guarda-roupas, e na rua vingará mesmo só o amassado, o rasgado, o sujo,
o velho. As máscaras ficarão em casa também, e só sairão as fantasias, de todos
os tipos: homens e mulheres; jovens e adultos e crianças; pretos e brancos e
castanhos e vermelhos e amarelos e verdes; machos e machas e mistos ou andros e
ginos e andróginos, cada qual degustando a alegria no contato com o outro.
A companhia para o ritmo das festas será Baco, encantado
deus que se esconde nas brands skol,
skin, antártica, brahma, mas também na devassa, heineken, stella artois entre
outras antropomorfizadas em mulher, líquido vertiginoso. É beber, cair e levantar;
como quem diz man dá a primeira, a
segunda, a terceira, sem parar e sem hora pra acabar.
Esse é o carnaval que se confunde com festa da carne, não
importa se filé ou acém. É carnaval chegando com samba na ponta do pé, com
marchinhas do veado e do viagra, do careca e do cabeludo, do trabalhador
vagabundo e do malandro trabalhador; mas não esqueçamos também do na boquinha
da garrafa, que sempre tem, e já faz parte do samba do carnaval.
Olha o grito, “está chegando o carnaval aí minha gente”, é o
grito do se apressa aí, porque está chegando o descompromisso social com as
ruas, lugar de todos e de ninguém, que não é nossa casa, mas sim lugar do vale
tudo, onde começamos por beber todas para perder o controle e a noção da
realidade que tanto nos mata, para depois quebrarmos tudo, picharmos tudo,
pinicarmos em todos os cantos, só de leve; e de pesado, começamos a dirigir
embriagados, a bater, a atropelar, a matar;
a também falar merda, - que lugar de
cordialidade não é no carnaval, não é? -, e a dar porrada; começamos a trair, a
mostrar o p*#, a dar o c* e a b*@$%# sem proteção; e como no carnaval todos são
igualmente ricos, passamos a torrar as onças e as tartarugas e a esquecer o
mamãe eu quero mamar.
Vamos, vamos! Vamos fazer desse carnaval a maior lambança,
que só assim nos definimos brasileiros, certo! em meio a desordem, em meio à sujeira. Vamos fazer todas as merdas que só são possíveis no carnaval, porque
não é sacanagem, não, o carnaval para ser divertido não pode ser moderado, ele não
pode ser planejado, organizado, executado e avaliado sem cruzar as linhas do
absurdo, não é mesmo?
Sérgio Ventura.