29 de ago. de 2012

SAÚDE PÚBLICA[1]

Agora, considerando tudo isso, da máquina de desperdício que é o sistema de mercado à máquina de dívidas conhecida como sistema monetário, criando assim o paradigma mercantil-monetário que hoje define a economia global, há uma consequência que percorre toda a máquina: desigualdade.
Se é o sistema de mercado que cria uma gravitação natural em direção ao monopólio e à consolidação do poder, enquanto também gera diversas indústrias ricas que se elevam acima das outras independentemente de sua utilidade, tal como o fato de os maiores gestores de fundos de Wall Street agora embolsarem mais de $300 milhões por ano por contribuir literalmente com nada. Enquanto um cientista procurando curar uma doença, tentando ajudar a humanidade, pode ganhar $60 mil por ano, se tiver sorte. Ou se é o sistema monetário, que possui a divisão de classes inerente a sua estrutura. Por exemplo, se tenho $1 milhão sobrando e os aplico em CDB, com juros de 4%, ganharei $40 mil por ano. Nenhuma contribuição social, nada. No entanto, se sou da classe baixa e preciso pegar empréstimos para comprar meu carro ou casa, estarei pagando juros que, teoricamente, vão remunerar aquele milionário com os 4% do CDB. Este roubo dos pobres para pagar aos ricos é um fundamento inerente ao sistema monetário e poderia ser rotulado como "classicismo estrutural".
Historicamente, a estratificação social sempre foi considerada injusta, mas claramente aceita de forma geral, já que agora 1% da população detém 40% da riqueza do planeta. Mas, justiça material à parte, há outra coisa acontecendo por baixo da superfície da desigualdade, deteriorando a saúde pública como um todo. Acho que as pessoas muitas vezes ficam confusas pelo contraste entre o sucesso material das nossas sociedades - níveis de riqueza sem precedentes - e os muitos fracassos sociais. Se você olhar para as taxas de uso de drogas, violência, automutilação entre crianças ou doenças mentais, há claramente algo profundamente errado com nossas sociedades. Os dados que tenho descrito simplesmente mostram essa intuição que as pessoas têm tido por centenas de anos, de que a desigualdade divide e corrói a sociedade. Porém, essa intuição é mais verdadeira do que imaginávamos. Há efeitos psicológicos e sociais muito poderosos da desigualdade, mais relacionados, creio eu, com sentimentos de superioridade e inferioridade. Esse tipo de divisão - e talvez o mesmo valha para o respeito e o desrespeito - em que as pessoas se sentem desprezadas ao extremo. Motivo pelo qual, a propósito, a violência é mais frequente em sociedades mais desiguais. O gatilho da violência é, muitas vezes, as pessoas se sentirem menosprezadas e desrespeitadas.
Se há um princípio que eu poderia enfatizar, isto é, o princípio subjacente mais importante para a prevenção da violência, seria a igualdade. O fator mais significativo que afeta a taxa de violência é o grau de igualdade versus o de desigualdade na sociedade.
O que estamos vendo é uma espécie de disfunção social generalizada. Não é só uma ou duas coisas que dão errado conforme a desigualdade aumenta, mas aparentemente tudo, seja em relação ao crime, à saúde, às doenças mentais ou ao que for. Uma das descobertas mais perturbadoras sobre saúde pública é: em hipótese alguma cometa o erro de ser pobre ou de ter nascido pobre. Sua saúde paga por isso de infinitas maneiras, algo conhecido como "O Gradiente Socioeconômico de Saúde". Conforme você desce a partir da camada social mais alta, em termos de posição socioeconômica, a cada degrau descido, a saúde piora para muitos tipos de doenças, a expectativa de vida piora, a taxa de mortalidade infantil, tudo que você puder considerar.  Uma enorme questão tem sido: por que este gradiente existe? Uma resposta óbvia e simples é que, se você está cronicamente doente, não será muito produtivo. Assim, problemas de saúde geram diferenças socioeconômicas. Não passou nem perto, pelo simples fato de que é possível olhar para a posição socioeconômica de uma criança e isso irá predizer algo sobre sua saúde décadas depois. Esta é a direção da causalidade. A próxima é "perfeitamente óbvia": pessoas pobres não podem pagar para ir ao médico. É acesso à saúde? Não tem nada a ver com isso porque você vê estes mesmos gradientes em países com assistência médica universal e medicina socializada. OK, próxima explicação simples: geralmente, quanto mais pobre você é maiores são as chances de fumar, beber e de viver com todo tipo de fator de risco. Sim, isso contribui, mas estudos meticulosos mostraram que talvez explique só um terço da variabilidade. O que resta então? O que resta tem muito a ver com o estresse da pobreza. Quanto mais pobre você é, a começar pela pessoa que ganha um dólar a menos que Bill Gates, quanto mais pobre você é neste país, de modo geral, pior será a sua saúde. Isso nos diz algo realmente importante: a conexão da saúde com a pobreza não se trata de ser pobre, mas de se sentir pobre. Cada vez mais, reconhecemos que o estresse crônico possui uma influência importante na saúde, mas as fontes mais importantes de estresse se referem à qualidade das relações sociais. E se existe algo que diminui a qualidade das relações sociais é a estratificação socioeconômica da sociedade. O que a ciência nos mostrou agora é que, independentemente da riqueza material, o estresse de simplesmente viver numa sociedade estratificada leva a um vasto espectro de problemas na saúde pública e quanto maior a desigualdade, piores eles ficam. Expectativa de vida: maior em países mais igualitários. Uso de drogas: menor em países mais igualitários. Doenças mentais: menor em países mais igualitários. Capital social, isto é, a capacidade de as pessoas confiarem umas nas outras: naturalmente maior em países mais igualitários. Índices educacionais: mais altos em países mais igualitários. Taxas de homicídio: menores em países mais igualitários. Taxas de criminalidade e prisão: menores em países mais igualitários. E continua: Mortalidade infantil, obesidade, taxa de natalidade na adolescência: menor em países mais igualitários. E talvez mais interessante: Inovação: maior em países mais igualitários, o que desafia a antiga noção de que uma sociedade competitiva e estratificada é mais criativa e inventiva. Além disso, um estudo feito no Reino Unido chamado de Estudo Whitehall, confirmou que há uma distribuição social de doenças que vai desde o topo da escala socioeconômica até a base. Por exemplo, foi descoberto que os degraus mais baixos da hierarquia tinham 4 vezes mais mortalidade por doenças cardíacas em relação aos degraus mais altos. E esse padrão existe, independente do acesso à saúde. Portanto, quanto pior a condição financeira relativa de alguém, pior será a sua saúde, de modo geral. Esse fenômeno tem suas raízes no que pode ser chamado de "estresse psicossocial" e está na base das grandes distorções sociais que assolam nossa sociedade atual. Sua causa? O sistema mercantil-monetário.
Não se engane: o maior destruidor da ecologia; a maior fonte de desperdício, esgotamento e poluição; o maior incitador de violência, guerra, crime, pobreza, abuso animal e desumanidade; o maior gerador de neuroses sociais e individuais, de doenças mentais, depressão, ansiedade - para não falar da maior fonte de paralisia social, que nos impede de adotar novas metodologias para a saúde pessoal, a sustentabilidade e o progresso neste planeta - não é nenhum governo corrupto ou legislação, nenhuma corporação perversa ou cartel bancário, nenhuma falha da natureza humana e nenhuma sociedade secreta que controla o mundo. É, na verdade, o próprio sistema socioeconômico em sua essência.


A ANTIECONOMIA



Há um velho ditado de que o modelo de mercado competitivo busca "criar os melhores produtos pelo menor preço possível". Essa afirmação é essencialmente o conceito de incentivo que justifica a concorrência mercantil com base na suposição de que o resultado é a produção de bens de melhor qualidade. Se eu fosse construir uma mesa, obviamente a produziria com os melhores e mais duráveis materiais existentes, correto? Visando que ela dure o máximo possível. Por que eu faria algo ruim sabendo que teria de refazê-la eventualmente, gastando mais materiais e energia? Bem, por mais racional que isso possa parecer, no caso do mercado, isso não é apenas claramente irracional como não chega a ser uma opção. É tecnicamente impossível produzir algo da melhor maneira possível, se uma empresa pretende ser competitiva e manter seus produtos acessíveis ao consumidor. Literalmente, tudo o que é criado e posto à venda na economia global é inferior logo no momento em que é produzido, pois é matematicamente impossível fazer produtos os mais cientificamente avançados, eficientes e sustentáveis possíveis. Isso ocorre, pois o sistema de mercado exige esta "eficiência de custos" ou porque é preciso reduzir os gastos em cada etapa da produção. Do custo da mão da obra ao custo dos materiais, da embalagem etc. Essa estratégia competitiva serve para assegurar que o público compre os seus produtos e não os do concorrente que está fazendo a mesmíssima coisa para deixar seus produtos competitivos e acessíveis. Esta consequência invariavelmente esbanjadora do sistema poderia ser denominada "obsolescência intrínseca". No entanto, essa é apenas uma parte do problema. Um princípio fundamental que rege a economia de mercado e que você não encontrará em nenhum manual é o seguinte: "nada produzido pode ter uma vida útil maior que o necessário para manter o consumo cíclico". Em outras palavras, é fundamental que as coisas quebrem, falhem e deteriorem-se dentro de dado tempo. Isso se chama "obsolescência programada". A obsolescência programada é a espinha dorsal da estratégia de mercado de todos os fabricantes. Muito poucos, claro, admitem essa estratégia abertamente. O que fazem é mascarar o problema no fenômeno da obsolescência intrínseca, muitas vezes ignorando, ou até mesmo suprimindo, novos adventos tecnológicos que poderiam criar um produto mais sustentável e durável. Não bastasse o desperdício que é o sistema inerentemente não permitir a produção dos bens mais duráveis e eficientes, a obsolescência programada intencionalmente entende que quanto mais tempo um produto funcionar, pior será para a manutenção do consumo cíclico e, portanto, para o sistema de mercado. Em outras palavras, a sustentabilidade do produto é, na verdade, contrária ao crescimento econômico e por isso há um incentivo direto e reforçado para garantir que a durabilidade de qualquer produto seja curta. Na realidade, o sistema não pode funcionar de outra maneira. Um olhar para o mar de aterros ao redor do mundo mostra a realidade da obsolescência. Existem agora bilhões de celulares de baixo custo, computadores e outras tecnologias, contendo materiais preciosos e difíceis de minerar como ouro, coltan e cobre,  apodrecendo em enormes pilhas devido ao simples mau funcionamento ou obsolescência de pequenas partes que, em uma sociedade preservadora, poderiam ser consertados ou atualizados, estendendo a vida útil do produto. Infelizmente, por mais eficiente que isso pareça no mundo real, por vivermos num planeta finito de recursos finitos, é claramente ineficaz para o mercado. Para por numa frase: "eficiência, sustentabilidade e preservação são os inimigos de nosso sistema econômico".