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25 de out. de 2012

Um mundo reencantado

 

Em edição caprichada, Cosac Naify lança a primeiríssima e nada convencional versão dos contos de Grimm

Luiz Costa Pereira Junior

Rapunzel está grávida. A princesa não beija o sapo. Cinderela perde o baile. A rainha má é a mãe, não a madrasta de Branca de Neve. Dois lobos tentam comer Chapeuzinho Vermelho. Livres da bruxa, João e Maria finalmente voltam pra casa. Tarde demais: sua mãe está morta.

Não, não se trata de mais um filme da franquia Shrek ou da enésima releitura de clássicos infantis na indústria cultural. A nova tradução da mais antiga versão de Kinder und Hausmärchen, os contos maravilhosos editados pelos irmãos Grimm no século 19, promete tirar o pó que os próprios Grimm colocaram na obra que os consagrou.

Contos Maravilhosos Infantis e Domésticos, lançado este outubro de 2012 pela editora Cosac Naify em dois tomos, com tradução de Christine Röhrig, apresentação de Marcus Mazzari e xilogravuras de J. Borges, mostra na prática que não se faz infância como antigamente.

Com heróis desagradáveis, reis cruéis e princesas infames, matriarcas de afetos implacáveis e finais nem sempre felizes, as histórias de Jacob (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) regurgitaram a tradição oral da Alemanha do século 19, em que o fantástico emergia em doses tão cavalares quanto a violência, o humor negro e a pulsão sexual.

A primeira versão do clássico é de 1812, com 86 histórias colhidas no estado de Hessen (onde o rio Meno - Main, em alemão - corta Frankfurt) então ocupado por Napoleão. Os Grimm a criaram para a leitura de estudiosos do folclore alemão. Para a surpresa da dupla, no entanto, sua compilação começou a ser lida por pais que queriam entreter os filhos (não só na Alemanha, mas na Dinamarca de 1816 e na Holanda de 1820, informa Mazzari). 

Alemanha profunda
O inesperado sucesso provocou reedições e sucessivas mudanças no conteúdo. Em vida, os Grimm publicaram 17 versões da obra.

Não era procedimento incomum. Contos de fadas são um gênero permeável a recriações. Nós nos acostumamos a pensá-los como fruto da isenção de pesquisadores que desbravam, no caldo anônimo da cultura folclórica, um conjunto de narrativas fechadas em si mesmas. Mas as histórias de boca em boca formam antes um sistema lógico de alta elasticidade, em que várias narrativas se misturam, sem autoria fixa e em combinações variadas.

A edição da Cosac Naify mostra que esse arranjo em caleidoscópio, com mudanças ao gosto do freguês e dos valores de época, ocorre também por escrito. Entre autoral e documental, a compilação dos Grimm passou por um pente fino de estilo. A dupla padronizou a forma de contar, preencheu lacunas e suavizou contradições internas das histórias. Acima de tudo, a nova tradução revela que alguns dos mais famosos contos maravilhosos se fixaram por escrito após sucessivos filtros morais.

A moral burguesa dos Grimm atenuou a tendência chula e mundana da Alemanha profunda já na 2ª edição, de 1819, que teve 72 histórias além das publicadas na amostra anterior (a 3ª, de 1822, consolidaria o total de 158 textos, que foi a base para a atual edição brasileira).

A cada variação, os Grimm atenuavam a violência das cenas e a sexualidade de personagens, ou decantavam humores que iam da misoginia gratuita ao antissemitismo.

Muita coisa ficou diferente da 1a versão que chega agora ao Brasil. A mãe de Branca de Neve era a rainha má antes de os Grimm darem à madrasta o papel de algoz: não se bota, afinal, a mãe no meio. Rapunzel joga as tranças para o príncipe subir à torre: não ficarão ali a beber e conversar. A filha do rei promete cuidar do sapo, esquece o trato e é obrigada pelo pai a cumprir a palavra. Pitiática, espatifa o bicho na parede. É aí que ele vira príncipe. Não há beijo na cena, mas os dois passam a noite, não consta que a beber e conversar.

Passagens do gênero renascem na edição da Cosac Naify, que teve a brilhante e cotovelar sacada de convidar um artista popular como J. Borges para dar ao folclore alemão a graça visual de nossa tradição nordestina: suas xilogravuras ecoam a oralidade rural recuperada pelos Grimm, como se o original estivesse gravado em madeira brasileira.

Mundo mágico
A tradição oral que fundou os contos de fadas dava explicações mágicas a problemas de fertilidade e a mistérios da natureza. Ecoava regras morais rígidas, descrevia a desumanidade cotidiana da vida rural ou servia de modelos para rituais de passagem. Com o tempo, falou mais alto a tendência de usar as histórias na educação infantil.

Como os mitos gregos, que mudavam de configuração em cada cidade grega antiga, é improvável que cada conto popular tenha uma única e homogênea formulação. Coletâneas como a do italiano Giovanni Strapardia (1480-1557), por exemplo, continham histórias como Sr. Dito e Feito, narrada pelos Grimm. O francês Charles Perrault (1628-1703) também reunira, em Contos da Mamãe Gansa (1697), algumas narrativas recuperadas depois pelos Grimm, como Chapeuzinho Vermelho, O Pequeno Polegar, O Gato de Botas e A Bela Adormecida. Elas são do tempo da primeira transcrição da história deBranca de Neve, diz Alexandre Callari, organizador de Branca de Neve - Os contos clássicos(editora Generale, 2012).

Modelos
É de Giambattista Basile (1575-1632), conde de Torrone, na Itália, a autoria de A Jovem Escrava, recolhida entre Creta e Veneza, e publicada em Pentamerone (1634-36). Afeita ao espírito popular, sua versão mostra que a maldade da rainha fica sem punição. Mas há versões de todo tipo, diz Callari: com o rei psicopata e necrófilo (O Caixão de Cristal, de Thomas Frederick Crane, 1885) e até a da morte dos anões (de Ernst Ludwig Rochholz, 1856).

O crítico Wladimir Propp viu nesse tipo de conto certos elementos narrativos que não variavam. A graça da coisa, disse o russo, seria perceber a grandeza do caráter variado das histórias, que camuflava a uniformidade e a repetição de motivos e tipos (Morfologia do Conto Maravilhoso, 2006: 22). Os contos de fadas atualizam essas invariantes conforme o contexto. Não teriam tanto um sentido, mas estruturas que geram sentidos cada vez que a história é reinventada.

Ainda hoje, as histórias maravilhosas dão aquilo que o escritor Italo Calvino considerou ser uma 'explicação geral da vida' que rumina das consciências camponesas aos dias de hoje (Fábulas Italianas, 1992: 15). Elas, escreve Calvino, são uma espécie de 'catálogo do destino', dos momentos em que o ser humano projeta um destino, do nascimento ao afastamento de casa, do crescimento à maturidade e aos desafios que nos confirmam como humanos.

Podemos dizer dos contos maravilhosos o que o antropólogo Claude Lévi-Strauss disse dos mitos: todas as versões integram o mesmo conto. Não há original a prevalecer. Nem versão necessariamente melhor.

O despertar de Branca de Neve

No original, o papel de rainha má e algoz de Branca de Neve cabia à própria mãe, não à madrasta, que só entra na história na 2ª edição. O despertar da heroína tampouco ocorre após um beijo do príncipe. 

Ao vê-la morta, o rapaz nutre a obsessão de levar o caixão para onde quer que vá. Obrigado a carregá-lo, um servo abre o caixão, endireita Branca de Neve e berra: 'Somos amaldiçoados só por sua causa, menina morta', ao que dá um tapa nas costas da moça. É então que o pedaço de maçã sai de sua garganta e Branca de Neve ressuscita.

Estimular a insurgência da patuleia soou inaceitável e, na versão de 1857, a última editada em vida por Wilhelm Grimm, a moça acorda quando um servo derruba o caixão por acidente, deslocando o toco de maçã podre, que estava em sua garganta. 

A transformação do príncipe sapo

Em O Rei Sapo ou O Henrique de Ferro, o sapo falante pede à filha do rei que o leve para sua cama, para dormir. 

'Ao ouvir tais palavras, a filha do rei ficou apavorada, pois tinha nojo do sapo frio, não tinha coragem de tocá-lo, e agora ele queria dormir na cama dela. Ela começou a chorar e se recusou. Furioso, o rei ordenou que ela cumprisse o que havia prometido e não o desonrasse. Não tinha jeito, ela tinha de satisfazer a vontade do pai, mas sentia imensa raiva em seu coração. Pegando o sapo com dois dedos, levou-o ao seu quarto, deitou-se na cama e, em vez de colocá-lo ao lado dela, atirou-o contra a parede, ploft. ''''Pronto, agora você vai me deixar em paz, sapo asqueroso!''''. Mas o sapo não morreu e antes de cair se transformou num belo e jovem príncipe. Este, sim, era seu querido companheiro e, cumprindo a promessa, os dois adormeceram felizes lado a lado.' 

A gravidez de Rapunzel 

O jovem príncipe imita a voz da fada e pede a Rapunzel que jogue seus cabelos para subir à torre.

'De início Rapunzel levou um susto, mas não demorou a gostar tanto do príncipe que combinou que viesse visitá-la todos os dias e ela o puxaria para cima. Assim viveram alegres e a fada não percebeu nada por um bom tempo, até que um dia Rapunzel disse a ela: ''''Sabe, senhora Gothel, as minhas roupas estão tão apertadas que não estão querendo servir mais em mim'''''.

Vendo a gravidez, a fada dá surra em Rapunzel e corta sua trança.

'Depois baniu Rapunzel para um deserto onde ela passou apuros e onde, depois de um tempo, deu à luz gêmeos, um menino e uma menina.'

A fada ainda tenta matar o príncipe, que fica cego.

27 de set. de 2012

Sobre a língua

A língua, meus amigos, muda, e não só na fala como também na escrita. E não só em uma como em outra, os sentidos, através do tempo, distanciam-se, perdem-se, renovam-se. Ela tem liberdade de mudar, mas essa liberdade não está no falante, nem no escritor. A língua só é possível para os falantes e os escritores porque depende de códigos convencionados (dentro da sociedade) para a sua própria utilização, e quando se deturpam esses códigos, a língua perde a sua capacidade de ser compreendida.

 

Sérgio Ventura.

29 de ago. de 2012

SAÚDE PÚBLICA[1]

Agora, considerando tudo isso, da máquina de desperdício que é o sistema de mercado à máquina de dívidas conhecida como sistema monetário, criando assim o paradigma mercantil-monetário que hoje define a economia global, há uma consequência que percorre toda a máquina: desigualdade.
Se é o sistema de mercado que cria uma gravitação natural em direção ao monopólio e à consolidação do poder, enquanto também gera diversas indústrias ricas que se elevam acima das outras independentemente de sua utilidade, tal como o fato de os maiores gestores de fundos de Wall Street agora embolsarem mais de $300 milhões por ano por contribuir literalmente com nada. Enquanto um cientista procurando curar uma doença, tentando ajudar a humanidade, pode ganhar $60 mil por ano, se tiver sorte. Ou se é o sistema monetário, que possui a divisão de classes inerente a sua estrutura. Por exemplo, se tenho $1 milhão sobrando e os aplico em CDB, com juros de 4%, ganharei $40 mil por ano. Nenhuma contribuição social, nada. No entanto, se sou da classe baixa e preciso pegar empréstimos para comprar meu carro ou casa, estarei pagando juros que, teoricamente, vão remunerar aquele milionário com os 4% do CDB. Este roubo dos pobres para pagar aos ricos é um fundamento inerente ao sistema monetário e poderia ser rotulado como "classicismo estrutural".
Historicamente, a estratificação social sempre foi considerada injusta, mas claramente aceita de forma geral, já que agora 1% da população detém 40% da riqueza do planeta. Mas, justiça material à parte, há outra coisa acontecendo por baixo da superfície da desigualdade, deteriorando a saúde pública como um todo. Acho que as pessoas muitas vezes ficam confusas pelo contraste entre o sucesso material das nossas sociedades - níveis de riqueza sem precedentes - e os muitos fracassos sociais. Se você olhar para as taxas de uso de drogas, violência, automutilação entre crianças ou doenças mentais, há claramente algo profundamente errado com nossas sociedades. Os dados que tenho descrito simplesmente mostram essa intuição que as pessoas têm tido por centenas de anos, de que a desigualdade divide e corrói a sociedade. Porém, essa intuição é mais verdadeira do que imaginávamos. Há efeitos psicológicos e sociais muito poderosos da desigualdade, mais relacionados, creio eu, com sentimentos de superioridade e inferioridade. Esse tipo de divisão - e talvez o mesmo valha para o respeito e o desrespeito - em que as pessoas se sentem desprezadas ao extremo. Motivo pelo qual, a propósito, a violência é mais frequente em sociedades mais desiguais. O gatilho da violência é, muitas vezes, as pessoas se sentirem menosprezadas e desrespeitadas.
Se há um princípio que eu poderia enfatizar, isto é, o princípio subjacente mais importante para a prevenção da violência, seria a igualdade. O fator mais significativo que afeta a taxa de violência é o grau de igualdade versus o de desigualdade na sociedade.
O que estamos vendo é uma espécie de disfunção social generalizada. Não é só uma ou duas coisas que dão errado conforme a desigualdade aumenta, mas aparentemente tudo, seja em relação ao crime, à saúde, às doenças mentais ou ao que for. Uma das descobertas mais perturbadoras sobre saúde pública é: em hipótese alguma cometa o erro de ser pobre ou de ter nascido pobre. Sua saúde paga por isso de infinitas maneiras, algo conhecido como "O Gradiente Socioeconômico de Saúde". Conforme você desce a partir da camada social mais alta, em termos de posição socioeconômica, a cada degrau descido, a saúde piora para muitos tipos de doenças, a expectativa de vida piora, a taxa de mortalidade infantil, tudo que você puder considerar.  Uma enorme questão tem sido: por que este gradiente existe? Uma resposta óbvia e simples é que, se você está cronicamente doente, não será muito produtivo. Assim, problemas de saúde geram diferenças socioeconômicas. Não passou nem perto, pelo simples fato de que é possível olhar para a posição socioeconômica de uma criança e isso irá predizer algo sobre sua saúde décadas depois. Esta é a direção da causalidade. A próxima é "perfeitamente óbvia": pessoas pobres não podem pagar para ir ao médico. É acesso à saúde? Não tem nada a ver com isso porque você vê estes mesmos gradientes em países com assistência médica universal e medicina socializada. OK, próxima explicação simples: geralmente, quanto mais pobre você é maiores são as chances de fumar, beber e de viver com todo tipo de fator de risco. Sim, isso contribui, mas estudos meticulosos mostraram que talvez explique só um terço da variabilidade. O que resta então? O que resta tem muito a ver com o estresse da pobreza. Quanto mais pobre você é, a começar pela pessoa que ganha um dólar a menos que Bill Gates, quanto mais pobre você é neste país, de modo geral, pior será a sua saúde. Isso nos diz algo realmente importante: a conexão da saúde com a pobreza não se trata de ser pobre, mas de se sentir pobre. Cada vez mais, reconhecemos que o estresse crônico possui uma influência importante na saúde, mas as fontes mais importantes de estresse se referem à qualidade das relações sociais. E se existe algo que diminui a qualidade das relações sociais é a estratificação socioeconômica da sociedade. O que a ciência nos mostrou agora é que, independentemente da riqueza material, o estresse de simplesmente viver numa sociedade estratificada leva a um vasto espectro de problemas na saúde pública e quanto maior a desigualdade, piores eles ficam. Expectativa de vida: maior em países mais igualitários. Uso de drogas: menor em países mais igualitários. Doenças mentais: menor em países mais igualitários. Capital social, isto é, a capacidade de as pessoas confiarem umas nas outras: naturalmente maior em países mais igualitários. Índices educacionais: mais altos em países mais igualitários. Taxas de homicídio: menores em países mais igualitários. Taxas de criminalidade e prisão: menores em países mais igualitários. E continua: Mortalidade infantil, obesidade, taxa de natalidade na adolescência: menor em países mais igualitários. E talvez mais interessante: Inovação: maior em países mais igualitários, o que desafia a antiga noção de que uma sociedade competitiva e estratificada é mais criativa e inventiva. Além disso, um estudo feito no Reino Unido chamado de Estudo Whitehall, confirmou que há uma distribuição social de doenças que vai desde o topo da escala socioeconômica até a base. Por exemplo, foi descoberto que os degraus mais baixos da hierarquia tinham 4 vezes mais mortalidade por doenças cardíacas em relação aos degraus mais altos. E esse padrão existe, independente do acesso à saúde. Portanto, quanto pior a condição financeira relativa de alguém, pior será a sua saúde, de modo geral. Esse fenômeno tem suas raízes no que pode ser chamado de "estresse psicossocial" e está na base das grandes distorções sociais que assolam nossa sociedade atual. Sua causa? O sistema mercantil-monetário.
Não se engane: o maior destruidor da ecologia; a maior fonte de desperdício, esgotamento e poluição; o maior incitador de violência, guerra, crime, pobreza, abuso animal e desumanidade; o maior gerador de neuroses sociais e individuais, de doenças mentais, depressão, ansiedade - para não falar da maior fonte de paralisia social, que nos impede de adotar novas metodologias para a saúde pessoal, a sustentabilidade e o progresso neste planeta - não é nenhum governo corrupto ou legislação, nenhuma corporação perversa ou cartel bancário, nenhuma falha da natureza humana e nenhuma sociedade secreta que controla o mundo. É, na verdade, o próprio sistema socioeconômico em sua essência.


A ANTIECONOMIA



Há um velho ditado de que o modelo de mercado competitivo busca "criar os melhores produtos pelo menor preço possível". Essa afirmação é essencialmente o conceito de incentivo que justifica a concorrência mercantil com base na suposição de que o resultado é a produção de bens de melhor qualidade. Se eu fosse construir uma mesa, obviamente a produziria com os melhores e mais duráveis materiais existentes, correto? Visando que ela dure o máximo possível. Por que eu faria algo ruim sabendo que teria de refazê-la eventualmente, gastando mais materiais e energia? Bem, por mais racional que isso possa parecer, no caso do mercado, isso não é apenas claramente irracional como não chega a ser uma opção. É tecnicamente impossível produzir algo da melhor maneira possível, se uma empresa pretende ser competitiva e manter seus produtos acessíveis ao consumidor. Literalmente, tudo o que é criado e posto à venda na economia global é inferior logo no momento em que é produzido, pois é matematicamente impossível fazer produtos os mais cientificamente avançados, eficientes e sustentáveis possíveis. Isso ocorre, pois o sistema de mercado exige esta "eficiência de custos" ou porque é preciso reduzir os gastos em cada etapa da produção. Do custo da mão da obra ao custo dos materiais, da embalagem etc. Essa estratégia competitiva serve para assegurar que o público compre os seus produtos e não os do concorrente que está fazendo a mesmíssima coisa para deixar seus produtos competitivos e acessíveis. Esta consequência invariavelmente esbanjadora do sistema poderia ser denominada "obsolescência intrínseca". No entanto, essa é apenas uma parte do problema. Um princípio fundamental que rege a economia de mercado e que você não encontrará em nenhum manual é o seguinte: "nada produzido pode ter uma vida útil maior que o necessário para manter o consumo cíclico". Em outras palavras, é fundamental que as coisas quebrem, falhem e deteriorem-se dentro de dado tempo. Isso se chama "obsolescência programada". A obsolescência programada é a espinha dorsal da estratégia de mercado de todos os fabricantes. Muito poucos, claro, admitem essa estratégia abertamente. O que fazem é mascarar o problema no fenômeno da obsolescência intrínseca, muitas vezes ignorando, ou até mesmo suprimindo, novos adventos tecnológicos que poderiam criar um produto mais sustentável e durável. Não bastasse o desperdício que é o sistema inerentemente não permitir a produção dos bens mais duráveis e eficientes, a obsolescência programada intencionalmente entende que quanto mais tempo um produto funcionar, pior será para a manutenção do consumo cíclico e, portanto, para o sistema de mercado. Em outras palavras, a sustentabilidade do produto é, na verdade, contrária ao crescimento econômico e por isso há um incentivo direto e reforçado para garantir que a durabilidade de qualquer produto seja curta. Na realidade, o sistema não pode funcionar de outra maneira. Um olhar para o mar de aterros ao redor do mundo mostra a realidade da obsolescência. Existem agora bilhões de celulares de baixo custo, computadores e outras tecnologias, contendo materiais preciosos e difíceis de minerar como ouro, coltan e cobre,  apodrecendo em enormes pilhas devido ao simples mau funcionamento ou obsolescência de pequenas partes que, em uma sociedade preservadora, poderiam ser consertados ou atualizados, estendendo a vida útil do produto. Infelizmente, por mais eficiente que isso pareça no mundo real, por vivermos num planeta finito de recursos finitos, é claramente ineficaz para o mercado. Para por numa frase: "eficiência, sustentabilidade e preservação são os inimigos de nosso sistema econômico". 




12 de fev. de 2012

Você é o único que pode criar a vida que merece?

Usando a lógica:
Você cria a vida que merece; a pergunta: que vida você merece? Questão: você merece uma vida feliz ou infeliz? Suposição: todos querem uma vida feliz; lógica: todos criam para si uma vida feliz; falácia: nem todos são felizes com sua vida; questão: todos criam a vida que merecem? Questão lógica: se todos criam a vida que merecem por que escolhem ser infeliz? Resposta: ninguém escolhe ser feliz; lógica: se ninguém escolhe ser feliz, então ninguém cria a vida que merece! Resumo: é errado pensar que somos os únicos que podem criar a vida que merecemos. Ou seja, você não é o único que pode criar a vida que merece!
Pensamento:
Se se merece a vida que se cria, então nunca se deve reclamar dela. E se se reclama da vida, significa que não é a que se merece. Se não é a que se merece, logo, não é a que se criou; e se não é a que se criou, então não é a que se merece? A lógica: você não é o responsável por criar a vida que merece... são os outros!


23 de out. de 2011

Minha ilusão conquistada

Minha ilusão conquistada (em construção)
Percorri toda a minha vida achando que não encontraria alguém com quem pudesse compartilhar os meus segredos, as minhas emoções. Estava enganado, pois no dia em que menos esperava uma figura se apoderou dos meus sentidos. Não se comparava as figuras do meu cotidiano. Tinha algo diferente. Aqueles olhos... castanhos claros brilhando e reluzindo a esperança outrora perdida. Entrecruzados, os olhos repetiam movimentos descontínuos de dois seres procurando significados nas insignificâncias de suas vidas. Mágico. Foi o momento de enlace. A sede que alimentava os problemas de ambos sendo saciada pela correspondência inacreditável entre os dois seres. Eu... fiquei extasiado. Não havia experimentado tanta paixão, tanta intensidade nos jogos sinestésicos. O toque, o beijo, o grito. Sim, o grito à liberdade, à expurgação, à catarses, à conquista. Um encontro platônico entre dois que se uniram em prol de um sentimento: a paixão, o amor.

Sérgio Ventura.

6 de jul. de 2011

História do Sujeito Leitor - Resenha Crítica

Tendo como base o texto de Orlandi, em “A história do sujeito leitor: uma questão para a leitura”, viemos aduzir algumas reflexões quanto às questões propostas pelo texto.
A leitura é um ato de decodificar, interpretar, entender, dar sentido, tanto ao texto quanto ao mundo que nos rodeia. Ler, para alguns, significa soletrar, “agrupar as letras em sílabas”, colher, buscar sentidos no interior do texto ou mesmo roubar, já que o leitor tem a possibilidade de retirar do texto sentidos que estavam ocultos. O leitor cria até significados que, em princípio, não tinha autorização para construir. A questão que Orlandi propõe é justamente quanto à construção do significado. Quem o constrói e como é constituído. Sua assertiva é que toda leitura é produzida, e seu modo de produção efetivo depende tanto da história do leitor quanto da história da própria leitura. A tese principal, já que a leitura é intimamente ligada ao discurso de uma sociedade, implica à autoridade do estado sobre as formas de conhecimento dos textos escritos. O estado, ora denominado, é a instituição ou escola que leva ao aluno as novas formas do conhecimento escrito do texto literário. Orlandi questiona a qualidade e infalibilidade que a instituição presta ao aluno sobre a leitura. Para tal, cita as formas de reducionismos lingüísticos, pedagógicos e sociais, que excluem os conhecimentos prévios que o aluno traz, entre outras formas de linguagem, e de seu ambiente natural. E o que Fávero replica: “a compreensão de um texto é um processo que se realiza pela ativação do conhecimento prévio, isto é, a memória, onde estão guardados nossos conhecimentos”, responsáveis pela maneira como identificamos e/ ou interpretamos o texto. O aluno quando chega à escola traz consigo suas experiências sobre a linguagem, a fala, a forma como interpreta e produz a realidade. Dado esse fato, a escola ignora o conhecimento prévio do aluno e o molda conforme suas políticas pedagógicas.
Tratando da história de leitura do leitor e seu conhecimento prévio de mundo, Fávero informa: “como as pessoas sabem o que acontece no texto é um caso particular da questão de como as pessoas sabem o que acontece no mundo”. Essa sentença reflete também a história da leitura do texto, porque, segundo a teoria da enunciação, a intenção do falante (escritor) antecipa a interpretação do destinatário (leitor) que, ao mesmo tempo, reconstrói a intenção e/ ou informação pragmática do falante (escritor). A relação de interpretação do sujeito-leitor com o texto depende dos significados construídos pela história. Sua produção é sócio-histórica e contextual. Por esse motivo, a instituição tem o objetivo de resgatar esses sentidos, a maioria apagados pelo tempo, e reportá-los aos alunos para que uma interpretação mais verossímil se faça. O problema está na perspectiva diacrônica desses sentidos. O tempo distancia-os de seus referentes no texto. Por exemplo, “quando os exércitos dos(as) cruzados(as) pilhavam as terras muçulmanas, declaravam seus submetidos como impuros. Como contrapartida, certo povo formou um pequeno e mortífero exército para se defender. Esses exércitos ganharam fama na região e ficaram conhecidos como protetores – eram hábeis carrascos e trucidavam o inimigo onde quer que o encontrassem. Eram afamados não só por seus extermínios brutais, como por celebrá-los, entregando-se ao entorpecimento causado pelo uso de drogas. Uma das drogas mais utilizadas era o hashish, ou haxixe [em português]. À medida que sua notoriedade se espalhava, esses homens letais começaram a ser conhecidos por uma única denominação. Hassassin – literalmente, “os adeptos do haxixe”. O nome hassassin tornou-se sinônimo de morte em quase todas as línguas. A palavra ainda é usada hoje. Mas assim como a arte de matar, a palavra também evoluiu. Hoje se pronuncia assassino”. Esse notório distanciamento do signo linguístico é o principal obstáculo para a construção do que Orlandi chama de leituras parafrásticas ou polissêmicas. Dada a composição e globalização dos sentidos, os alunos vêem-se mais propensos a realizar leituras parafrásticas, ou seja, leituras cuja interpretação produz o mesmo sentido sob várias formas, ao contrário da leitura polissêmica que produz sentidos diferentes, e é, sem contradições, a adaptação de uma realidade, causa dos distanciamentos supracitados. Então, como definir um texto como legível se o seu referente idôneo não é conhecido pelo aluno. Orlandi faz e reponde à pergunta, afirmando que “é a natureza da relação [sócio-histórico-ideológica] que alguém estabelece com o texto que está na base da caracterização da legibilidade”. (ORLANDI, 2006:8). A sociedade, a história, o discurso ou ideologia determinam a leitura do leitor, ou seja, a consciência não só nada pode explicar, mas ao contrário, deve ela própria ser explicada a partir do meio ideológico e social. (Bakhtin, 1995:35). Parte daí a explicação de Orlandi sobre o assujeitamento do leitor, dado que esse é determinado pela instituição, “o controle do sujeito pelo estado diminui a liberdade de modificar o que o texto diz”. O sujeito-leitor é um indivíduo circundado por um determinado grupo social que tem suas histórias, sua língua, sua cultura. Todo o seu comportamento, sua fala, seus valores, seus direitos e deveres, mesmo o seu pensamento e o seu lugar na sociedade são determinados pelas ideologias que comportam o grupo social. Fato que acaba originando a ilusão discursiva do sujeito. O sujeito-leitor vai “reproduzir discursos que a princípio parecem individuais, mas que são na verdade, são preexistentes à sua existência”. Pois, o ser humano já nasce inserido num conjunto social que reproduzirá e determinará nele, os discursos e as ideologias do seu ambiente.
Toda leitura depende dos seus elementos intertextuais. Quando se relaciona a compreensão da leitura à história da leitura do texto, interfere-se não só na produção do mesmo, mas na história de seu produtor, o escritor, suas fontes, e sua determinação sócio-histórica. O texto acaba sobrecarregando a visão de mundo num mesmo indivíduo. O todo existe nas suas partes, mas uma parte só é compreensível no todo. (Cassirer, Ernest apud Bakhtin, 1995:33). É difícil para o leitor reunir o todo, pois toda informação velha aparece-nos nova, com nova roupagem, nova visão, novos sentidos. Não é possível resgatar, para o sujeito-leitor, essas informações velhas, pois o ato de interpretar e dar sentido ao texto está intimamente ligado aos sentidos que o contexto social o propõem. Dessa forma, a realidade do sujeito-leitor funciona como uma chave que abre porta a porta as impressões e representações das leituras, dos textos. O pensamento não é senão esse poder de construir representações das coisas e de operar sobre essas representações. (BENVENISTE, 1976:29).
Como trabalhar com a questão da leitura parafrástica e a leitura polissêmica dentro da escola e como agir na escola em relação à formação do sujeito-leitor? São questões finais que Orlandi propõe e que poderiam ter a seguinte resposta: a leitura parafrástica é prática comum entre os alunos porque estão envolvidos numa sociedade de múltiplas linguagens, o processamento das informações, os novos meios de distribuição da informação à massa, a mídia eletrônica, o rádio, o jornal, a internet, a televisão, produzem sentidos que homogeneízam a representação do mundo, tornando-o vazio, desgastando o signo linguístico. Os referentes do texto se tornam tão ligados à atualidade social e à criatividade que a função de conotar, comutar e recriar as informações, atribuir sentidos inexistentes, num primeiro plano, ao texto, se torna escassa. O sujeito-leitor, que deveria ser agente e intérprete de sua leitura, atinge o grau-dez na reprodução da mensagem ou leitura parafrástica e o grau-zero na criação de sentidos, de inovação e adaptação da realidade, estando para sempre preso às ideologias, aos discursos e às realidades que a instituição o impõe.
Sérgio Ventura.
Indicação Bibliográfica:
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 7. Ed. São Paulo: Hucitec, 1995.
BENVENISTE, Emile. Problemas de Linguística Geral I. Campinas: Pontes, 1995.
FÁVERO, L. L. Coesão e Coerências Textuais. 9. Ed. São Paulo: Ática, 2002.
Hassassin. Disponível em: <http://ocatatonico.blogspot.com/2008/05/hassassin.html>. Acesso em: 08 maio 2009.
NEVES, Maria H. de Moura. Gramática Funcional. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e Leitura. 7. Ed. São Paulo: Cortês, 2006.

2 de jul. de 2011

Aluno e Avaliação.

O segredo do sucesso para um aluno é autoavaliar-se constantemente. Há alunos que, no momento em que estão sendo avaliados em sala de aula, em virtude de uma prova, consultam-se uns aos outros sempre; não adiantando ao professor pedir-lhes que respeitem a individualidade das avaliações; É-lhes tão somente pedido que reflitam sobre quem está avaliando quem. Quando não, demonstram o medo de uma nota negativa que os faz corromper seus próprios espíritos. Eles negam suas próprias capacidades ao consultarem um material de suporte contrário às regras da avaliação proposta. Estão cegos, e não importa o quanto se lhes chama à atenção, só vêem a necessidade do saldo positivo de uma nota auferida a baixo custo: a trapaça. Em regra, os alunos se põem a sonhar que são os super-homens, e que não podem ser derrotados pela sua criatividade em burlar os métodos avaliativos; mas esquecem que o sonho não contempla a vida real. No dia em que acordarem, não terão engendrado nenhum recurso disponível que possa enganar os seus avaliadores. Só aí, verão que estão sendo avaliados pelo que são e não pelo que sonharam ser. Será nessa hora que suas faculdades serão testadas; a criptonita será lançada, e ficará apto aquele que nunca teve a ilusão do super-homem. Para fazer-se ser, basta olhar-se no espelho e dizer para a imagem refletida: "eu posso, eu quero"; só assim, garantir-se-á o locutor o estímulo necessário para se autorealizar.
Quando um aluno recebe o "feedback" de sua avaliação, terá na conta a qualidade do seu desempenho que, se negativa ou positiva, intenta desenvolver nele uma atitude de promover suas habilidades. A ideia é sempre potencializar e desafiar os limites de suas faculdades. Não se pode querer estagnar numa zona de conforto: "uso 10% da minha inteligência, e só isso me basta para viver". Essa ideia é aterrorizante, pois trabalha a involução psicológica do homem. E todos sabem que o homem foi programado para evoluir; nesse caso,o aluno também.
Todo professor entende os motivos que levam os alunos a fraudar sua própria psiquê: uns têm muito trabalho e mal reservam tempo para aproveitar as oito horas de sono recomendadas pelos médicos, por isso justificam a sua total falta de cooperação e obrigação às recomendações passadas pelo professor de estudar, não só dentro, como, também, fora da instituição de ensino; outros crêem que não há razão alguma para dedicar-se aos estudos, sendo o mais importante a aquisição de um certificado que lhes garantirá um acesso fácil ao mercado de trabalho. - Tal ingenuidade é tão forte que, se fosse essa a solução, por que não comprarem logo um certificado? Ficaria muito mais rentável, quanto ao tempo e dinheiro aplicados -. O aluno investe muito tempo no seu ensino: sai de casa, enfrenta intempéries, e faz de tudo para chegar à sua instituição. No começo, demonstrando certa ganância pelo aprendizado; depois, esquecendo o motivo de sua existência no espaço de ensino, e que o objetivo de sua presença é aprender a aprender, a todo o custo, mesmo que sacrificando algumas horas do sono, ou outras do trabalho, ou outras do lazer; e se refazer como indivíduo que se permite moldar pelos ditames do seu código genético: a evolução.
O professor pode descambar à ignorância quando vê o seu trabalho desmerecido, depois de todo o seu esforço aplicado há anos de comprometimento com a aquisição de conhecimento e de seu compartilhamento. Ele tenta de tudo para promover sempre o fomento e a qualidade dos seus ensinamentos, mas pode, por todos os estimulos negativos enviados pelos alunos, desenvolver um certo bloqueio, um travamento psicológico que o faz parar, simplesmente, de evoluir. Quando isso acontece, a teoria do dominó entra em ação e tudo o mais começa a perder a qualidade: o professor, o aluno, a instituição.
 
Sérgio Ventura.

17 de fev. de 2011

Resenha: Celso Cunha (Advérbio)

CUNHA, Celso. CINTRA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. In: __________. Advérbio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
Resenhado por: Sérgio Ventura, aluno do curso de Linguística e Língua Portuguesa, na Universidade Estácio de Sá.
Advérbios
O advérbio é fundamentalmente um modificador do verbo. Mas pode reforçar o sentido de um adjetivo, advérbio ou mesmo uma oração. Na classificação dos advérbios, a NGB distingue as seguintes espécies: advérbios de afirmação, dúvida, intensidade, lugar, modo, negação, tempo; e a NGP (Nomenclatura Geral Portuguesa), acrescenta os advérbios de ordem, exclusão e designação. Há também os advérbios interrogativos de causa, lugar, modo, e tempo. Os advérbios formam locução adverbial quando uma preposição se associa a um substantivo, adjetivo ou um advérbio. Não se descarta associações mais complexas de locuções adverbiais. Essas locuções podem ser de afirmação, dúvida, intensidade, lugar, modo, negação, tempo. Os advérbios são passíveis de gradação, principalmente os de modo, em grau comparativo e superlativo. Algumas palavras com valor semântico de advérbio são enquadradas nos seguintes termos: inclusão, exclusão, designação, realce, retificação, situação, palavras as quais a NGB classifica como denotativas por que não modificam o verbo, adjetivo ou mesmo advérbio.

Resenha: Rocha Lima (Advérbios)

LIMA, Rocha. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1992. p. 174-177.

Resenhado por: Sérgio Ventura, aluno do curso de Linguística e Língua Portuguesa, na Universidade Estácio de Sá.

Rocha lima conceitua que o advérbio serve para expressar as várias circunstâncias que cercam o significado do verbo. Mas preceitua que o mesmo pode ocorrer com os adjetivos e os próprios advérbios. Desses advérbios lista suas espécies: advérbios de dúvida, intensidade, lugar, modo e tempo. Os advérbios também se juntam para formar a locução adverbial. Em sua classificação, separa os advérbios em relativos e interrogativos. O primeiro ocorre em orações adjetivas e são estes advérbios, onde, quando e como. O segundo ocorre nas perguntas diretas e indiretas, palavras como onde, quando, como, porque, que denotam respectivamente, lugar, tempo, modo, causa. Rocha Lima considera que palavras e locuções que indiquem afirmação, negação, exclusão, inclusão, avaliação, retificação, designação, não se podem considerar advérbios por não exprimirem nenhuma circunstância. Os advérbios também variam em grau, empregando-se no comparativo e no superlativo.

Resenha: Gramática

NEVES, Maria H. M. Gramática de usos do português. In: ___________. Advérbios. São Paulo: Editora UNESP, 2000. PP. 321-282

Resenhado por: Sérgio Ventura, aluno do curso de Linguística e Língua Portuguesa, na Universidade Estácio de Sá.

O advérbio do ponto de vista morfológico é uma palavra invariável. Mas existe suas exceções, a modo da gramática tradicional, os chamados quantificadores (que variam em grau). O advérbio do ponto de vista sintático funciona como satélite de um núcleo verbal, adjetival ou adverbial. Maria Helena estende essa função aos numerais, substantivos, pronomes e conjunções. O advérbio também é periférico no enunciado e no discurso, incidindo sobre uma oração, proposição ou enunciado. Os advérbios semanticamente subclassificam-se em modificadores e não modificadores, estes podem ser os advérbios de modo, intensidade, modalizadores, delimitadores, deônticos e afetivos. Já os não-modificadores, podem ser os advérbios de afirmação, negação, circunstanciais de tempo e lugar, inclusão, exclusão, verificação e juntivos de valor anafóricos de contraste ou conclusão. Maria Helena dá ênfase especial aos advérbios de modo e aos modalizadores, nas suas classificações sintático-semânticas. Os advérbios de modo podem ser anafóricos, catafóricos ou interrogativos. Os modalizadores há entre os principais, os epistêmicos e os delimitadores. Esses distribuem-se entre os sintagmas adjetivo, verbal, nominal, pronominal e adverbial; com advérbio posposto, anteposto ou intercalado; em início de enunciado ou final de enunciado. Sobre os advérbios circunstanciais, além dos já conhecidos da gramática tradicional, Maria Helena, fala sobre os traços semânticos dos advérbios de lugar e tempo, subclassificando-os em situação, percurso, origem e direção, para o primeiro, e em tempo, aspecto, situação, duração e freqüência, para o segundo. Os advérbios também funcionam como coordenativos, ou seja, têm função juntiva e atuam no plano semântico discursivo.

Os aspectos do advérbio elaborados pela autora diferem muito dos abordados pelas gramáticas normativas consultadas, de Bechara, Celso Cunha e Rocha Lima, que trazem um conjunto limitado de explicações para esse assunto. Vê-se claramente que a intenção dos normativistas é preservar as definições da sintaxe e morfologia, não entrando nesse conjunto, diferentemente da gramática de Maria Helena, as definições e análises com base na semântica discursiva, morfossintaxe e gramática gerativa. Devido ao grande número de tópicos e exemplos auferidos pela autora não foi possível ilustrá-los para melhor compreensão dos tópicos relacionados, mas sugere-se uma leitura atenta desses que viabilizarão um melhor entendimento gramatical e eficazes aplicações em sala de aula.

14 de fev. de 2011

Por favor "Pax Vobis" (Rodrigo Varanda)

Depois do fogo "Pax Vobis" (Rodrigo Varanda).

Pax Vobis - As luzes dos outros quartos.

Música da Pax Vobis.

Do que você tem medo? Por quais tipos de medo somos afligidos?

 

medoTodos, na vida, temos medo de algo ou alguém. Na infância, do bicho papão, do homem do saco e/ou do lixeiro, e por aí vai… São os medos que os pais criam para nos forçar a fazer as coisas que eles querem. Depois da infância, passamos a ter medo de não sermos escolhidos para jogar naquele time de futebol, basquete, dança, etc. Temos medo de sermos o último a beijar dentre a “galera”, e, também, do valetão da escola ou da rua, entre outros tantos. Pois bem! Quando chegamos à adolescência, o que deveria ser o fim dos medos, só se prolonga, e, continua, entrentanto, a saga dos medos: não tirar boas notas na escola, na faculdade, não saber conquistar aquele gato(a) especial; meninas que querem transar, mas evitam, com receio de engravidar, os meninos amedrontados em não se sairem bem na primeira vez… e lá se vão seguindo os medos! Então, finalmente, quando chegamos à fase adulta, e quando não deveriámos temer mais nada, outros piores medos surgem: não conseguir uma boa profissão, não ter um ótimo emprego, ou perder o emprego medíocre que já temos, - digam-me quando termina isso -, ah! E ainda tem, para as mulheres, o medo de ficarem “encalhadas”, de não terem filhos e formarem uma família. Tendo em vista que a sociedade obriga-nos a ter essas coisas, e se, por algum infortúnio, causa natural ou sina familiar, não a temos, todos começam a olhar-nos com certo estranhamento, como, por exemplo, hoje, dia em que, deveras, fiquei “superhipermega” constrangida quando fazia as minhas aulas de moto e fui descoberta. Ouvi algo que me desconsertou bastante: um certo instrutor dizer: "nossa!!! com essa idade!? sem filhos, sem marido? E “blablabla...”. "Fiquei com medo… aterrorizada! E tive certeza que o medo faz parte da nossa vida inteira... mas fiquei me perguntando: “por que tenho que ser igual aos outros? Por MEDO?!!!

Sueli Gomes

29 de jan. de 2011

“Bullshits”

imageEstou despedaçado. Não tenho mais saco para aturar qualquer pessoa. Dos meus amigos só ouço “conversa pra boi durmir”; das minhas amigas, só vejo compulsão sexual; dos mais velhos, as mesmas reclamações sobre experiências enterradas no passado. Os convites que me são feitos para baladas, noitadas, casamentos, e o “caralho a quatro” não são mais aceites. Tudo tornou-se “bullshit”. Não consigo mais enxergar o valor real do presente. Dia após dia, aguento como posso às humilhações da vida, como ficar na merda de um país detestável por compaixão à família e destruir todo um planejamento fiável de vida no terreno a que me acostumei: Brasil. Nos últimos meses, tenho acordado e desejado não acordar. Sinto sempre o peso de estar com os olhos abertos e não ver nada. São todos os dias iguais: o céu cinza e o dia sufocante. Não há nada que saiba a doce mel ou a morango. Embora me sinta aflito, ocorre-me sempre a idéia fugaz de que o próximo dia será diferente. Eis o pretexto para me levantar religioso e vespertinamente todos os dias. Penso numa primeira frase: “nem todos os dias são santos”, e me pergunto: “qual dia o será?” E, depois, numa segunda frase: “nem todo dia é como hoje, por isso, faça tudo o que quiser fazer”, e, outra vez, me pergunto: “o que fazer?” Ou seja, acordo para olhar o vazio porque sou cego, e não faço nada porque tudo o que se me apresenta é vácuo. Vida boa essa, não?!!!

21 de jan. de 2011

Coração em desalinho.


Estou na varanda de casa, primeiro andar; não há vislumbre, apenas uma singular distração à rua que se me apresenta vaga. Transeuntes, meros rostos desconhecidos, iguais à muitos pelo mundo afora. Há imensidão de detalhes, sinais ao longo que não consigo traduzir. Esforço-me em compreender o que está disposto: árvores compridas e secas, típicas do clima africano; carros, uns passando às pressas, outros estacionados à beira da estrada. É uma rua comum, típica de uma cidade pobre: suja em todos os aspectos, poerenta até mesmo no vigésimo andar dos prédio ao redor, quiilogramas incontáveis de lixo, acervo exagerado e armazém para os roedores. – Quantos roedores! –. Os prédios. Esses, à hora dos meus olhos, tardio se fecham às luzes e sincronizam sua graça com o céu noturno de estrelas reluzentes e uma lua cheia. Os prédios têm as luzes apagadas, com exceção à três janelas acesas. Parecem refletir, em associação à minha busca por significados, dentro do meu campo associativo, o estado de minh'alma. A alma em desalinho imersa na escuridão. Eu, sentado, não percebo ainda o significado da minha vida. Não sei exato o motivo de estar aqui, agora, sentado e escrevendo. Parece um desastre não saber que passo dar e deixar que cada palavra alinhada à outra crie o caminho para um significado qualquer que eu possa usar em detrimento de minha própria busca. As músicas que ouço nesse momento trazem ao meu ouvido a doçura de uma poesia. Consigo refletir e extrair a destreza do compositor e o árduo trabalho empregado para realizar o prazer de tocar aos meus ouvidos as mais belas melodias. As lágrimas caem-me pelo rosto e nada explica o vazio sentimento que me consome. Quero sair, gritar; mas... estou preso. É um labirinto a minha consciência. Ainda estou errando nos caminhos. Quero desistir. Parar de andar, e deixar que a saída me encontre. Posso comparar esse momento a dois ímãs com a mesma polaridade. Ambos se repulsam. Assim como a minha infelicidade em busca do seu contrário. Chocam-se uma e outra. Eu cá com a infelicidade. E lá fora, a feliz idade.

        Sérgio Ventura.

28 de dez. de 2010

Amor obsessivo

Os stalkers vigiam os passos de suas vítimas e transformam a vida da pessoa pela qual têm fixação em um verdadeiro inferno.

Imagine que você não consiga pensar em nada que não tenha relação com determinada pessoa. Seu desejo e desespero são tão intensos que se aproximam da dor física. A ausência do ser amado o impele a escrever páginas e páginas de cartas e a discar seu número de telefone várias vezes ao dia. Por vezes, sentindo que está abandonado ou que ninguém dá atenção à sua dor, é compreensível que surjam ódio e planos de vingança. Em princípio, isso pode parecer apenas sinal de um comportamento irracional demonstrado por uma pessoa apaixonada que não é correspondida. Algo que, de acordo com senso comum, vai passar com o tempo. Mas e se esses sentimentos e comportamento persistirem? E se as tentativas de participar da vida do ser amado se tornarem cada vez mais exageradas e agressivas?

Esse foi o caso de Helene K. , uma fisioterapeuta de 40 anos. Em um fim de semana ela recebeu em casa o telefonema de um ex-paciente. Somente depois de pensar muito, se lembrou de que havia um ano o homem recebera alta da clínica onde ela trabalhava. O rapaz explicou que gostaria de revê-la, mas Helene, delicadamente, deixou claro que não tinha intenção de manter contato com ele. Seguiram-se então cartas com juras de amor e outros telefonemas. Até que um dia o antigo paciente apareceu com as malas feitas diante da porta da casa de Helene dizendo que estava fazendo alterações em sua vida – ele pedira demissão de seu trabalho para passar o maior tempo possível “cuidando dela” e pretendia mudar-se para a casa da terapeuta. Mesmo quando Helene o mandou embora rudemente ele não desistiu: pelo contrário, intensificou a perseguição, passando a vigiar todos os seus passos. A fisioterapeuta, por fim, mudou os números de telefone e obteve uma ordem de restrição do direito civil para garantir que ele fosse preso, caso se aproximasse dela. O admirador reagiu enviando cartas ameaçadoras – e continuou nos calcanhares de Helene, passando a aterrorizar até mesmo seus vizinhos.

CAÇADOR À ESPREITA

O fenômeno da perseguição excessiva ganhou atenção da mídia apenas há aproximadamente 20 anos, devido a alguns casos de assédio a famosos, como o da tenista Steffi Graf (ver quadro). Psicólogos e psiquiatras, porém, conhecem essa ameaça há mais tempo: no século XIX, um dos pais da psiquiatria forense, Richard von Krafft-Ebing, já escrevera sobre mulheres com fixação obsessiva que viajavam atrás de atores que idolatravam. Nos anos 80, a erotomania – também chamada síndrome de Clérambault – foi classificada como distúrbio psíquico. Quem sofre dessa patologia parte do princípio irremovível de que é amado pela outra pessoa – mesmo que não haja nenhum motivo para que chegue a essa conclusão. O esforço incessante de entrar em contato com alguém é considerado uma das principais características da erotomania. Para abordar esse comportamento costuma-se usar a expressão em inglês stalking, um termo relacionado à caça, que indica uma forma sorrateira de se aproximar da presa.

Da mesma forma, um stalker cerca sua vítima e procura não perdê-la de vista. Mesmo diante da rejeição explícita, ele insiste na aproximação – seja por telefone, carta, e-mail ou diretamente. Alguns enviam presentes ou objetos bizarros, às vezes assustadores, como colagens de fotos com caveiras no lugar dos rostos. Por vezes, fazem encomendas em nome da pessoa que perseguem, simplesmente com a intenção de difamá-la. Um em cada cinco stalkers se torna agressivo em algum momento, podendo voltar-se violentamente contra a vítima, seus parentes próximos ou conhecidos ou mesmo seu animal de estimação.

Embora as motivações amorosas dos stalkers sejam as mais frequentes, os perseguidores não se restringem a elas. Podem ser movidos, por exemplo, pelo desejo de vingança. Ex-parceiros íntimos, em geral, representam o maior e mais perigoso grupo de stalkers. Alguns deles têm autoestima instável, mostram indícios de distúrbios
de personalidade narcisista ou borderline, mesmo que não tenham recebido esses diagnósticos. A maioria dos ex-parceiros perseguidores sabe que é malvista pelos seus atos.

No entanto, para eles isso ainda é melhor do que serem ignorados.

O ex-namorado de Bettina M., por exemplo, começou a controlar a secretária de 28 anos mesmo antes de terminarem o relacionamento. Ambos trabalhavam no mesmo local; ele, muito ciumento, não queria que ela falasse com colegas. Por fim, a moça se separou depois de três meses – mas continuou encontrando o rapaz na empresa. Ele descobriu a senha do e-mail da ex-parceira e passou a acompanhar sua correspondência. Ele também entrou em um dos fóruns online de que a secretária participava e anunciou o suicídio de Bettina. E passou a bombardeá-la com mensagens SMS – o tom era ora suplicante, ora ameaçador e, por vezes, simpático. Após seis meses, ela arrumou um novo namorado, mas seu perseguidor se manteve espionando o casal e enviando mensagens regularmente.

O que leva uma pessoa a ter esse comportamento? Entre 2002 e 2005, nosso grupo de trabalho, coordenado por Hans-Georg Vo, na Universidade Técnica de Darmstadt, na Alemanha, realizou o primeiro estudo sobre essa questão. Entrevistamos 100 stalkers que nos contataram anonimamente pela internet. Revelou-se uma percepção bastante distorcida: apesar de suas tentativas de aproximação não terem sucesso, quatro em cada cinco perseguidores declararam que queriam continuar no encalço. O motivo mais alegado por eles foi o fato de estarem ligados ao outro “pelo destino”. Um terço dos entrevistados estava convencido, de forma onipotente, de que devia superar a resistência de sua vítima, pois ela própria, no fundo, queria isso. Outro terço sentia-se obrigado a cuidar da pessoa amada. Essas declarações trazem uma evidência: quem entra na mira de um stalker pode rejeitar as tentativas de contato seja o quanto for – o ofensor não aceitará as recusas.

EXCESO DE DOPAMINA

Nossas entrevistas mostraram que o próprio stalker em geral se sente profundamente infeliz.

Mais de 60% deles se sentiam deprimidos. Um em cada três sofria de estados de
ansiedade e eram acompanhados por médico ou psicólogo. Quase 40% declararam ser reincidentes. O psicólogo Reid Meloy, da Universidade da Califórnia em San Diego, e a antropóloga Helen Fischer, da Universidade Rutgers em New Jersey, descobriram em 2005 alterações relevantes na química cerebral dos stalkers. Eles perceberam que, após uma rejeição, os afetados permaneciam confinados em uma espécie de círculo vicioso. Motivo possível: excesso constante de dopamina, substância mensageira da motivação – o que, segundo Fisher, não é raro em pessoas que estão sofrendo por amor. “Claro que há questões psíquicas envolvidas, mas do ponto de vista orgânico, mal o objeto do desejo desaparece, é reforçada a atividade nesses circuitos cerebrais que geram a sensação de admiração intensa”, diz a pesquisadora. A dopamina é o combustível principal para a motivação e representa o sentimento de desejo no cérebro. Ao mesmo tempo, o nível de serotonina em stalkers é muitas vezes baixo, o que estimula estados de depressão e ansiedade.

Enquanto as pesquisas relacionadas aos motivos que impulsionam os ofensores já estão sendo desenvolvidas há algum tempo, estudos a respeito dos efeitos do stalking sobre as vítimas são relativamente novos. Em 1998, Patricia Tjaden e Nancy Thoenness, do Center for Policy Research, em Denver, desenvolveram o estudo mais representativo até o momento sobre essa questão: 8% das mulheres e 2% dos homens nos Estados Unidos já foram, pelo menos uma vez, assediados de forma intensa, a ponto de temer pela própria segurança ou pelo bem-estar de pessoas próximas. O pesquisador Harald Dressing, da Universidade de Mannheim, realizou em 2004 um estudo na Alemanha, considerando também casos mais leves, e concluiu que um em cada oito alemães já foi “perseguido” alguma vez.

Diferentemente de pessoas que sofrem por eventos pontuais, as vítimas de stalking se confrontam de forma constante com o objeto de seu medo. Às vezes, são obrigadas a lidar com seus torturadores no dia a dia. Se o telefone toca, pensam automaticamente que pode ser o perseguidor. Nessa atmosfera de medo e perplexidade, esquecem o que é ter uma vida “normal”.

Entre 2002 e 2004, nosso grupo entrevistou um total de 550 vítimas de stalking. Entre os voluntários, 85% eram mulheres, e a maioria revelou um histórico de muito sofrimento: em média, no momento da entrevista, a perseguição já durava 28 meses. Em
um caso extremo, se prolongava por 30 anos. O estudo mostrou que as vítimas eram importunadas ou ameaçadas, em média, em três a quatro locais de sua vida rotineira. Por exemplo, no bar ou restaurante que costumavam frequentar, no supermercado perto de casa, na academia de ginástica ou no trabalho. Porém, o local mais comum era em casa – o que parecia ainda mais perturbador. Várias vítimas reagiam se isolando do mundo externo – viviam, por exemplo, com as janelas fechadas a maior parte do tempo. Muitas mandaram instalar fechaduras mais seguras, adquiriram números de telefone que compartilhavam apenas com poucas pessoas e passaram a evitar sair de casa. Isso teve um efeito dramático sobre sua vida social: as vítimas se afastaram visivelmente da família e de amigos, e muitas enfrentaram dificuldades com o parceiro. Uma em cada cinco vítimas acabou mudando de casa, e um em cada dez entrevistados pediu demissão do emprego.

Foi o que aconteceu com Bettina M. Ela não suportava mais encontrar o seu importunador todos os dias, vivia tensa e chegou a ser suspensa por causa de suas queixas constantes. Como se não bastasse, o chefe mostrou-se compreensivo com a decepção amorosa do perseguidor e censurou Bettina por sua “incompreensão”. Em seguida, ela obteve uma medida cautelar contra o stalker e iniciou um tratamento psicológico. Por enquanto, ele ainda mantém a “distância segura” determinada judicialmente. Mesmo assim, a moça vive com o medo constante de que ele apareça de repente ou a ameace. No momento, ela está fazendo psicoterapia e espera encontrar um novo emprego.

FIXAÇÃO PELAS ESTRELAS

Quase todos os perseguidores de pessoas famosas se iludem e idealizam a possibilidade de se aproximar de seu ídolo, colocando sobre ele uma série de projeções. A maioria dos stalkers de famosos, de certa forma “vampiros de identidades”, querem estar perto o suficiente para apropriar-se de características que os atraem. Um exemplo é Günther P., durante anos obcecado pela tenista alemã Steffi Graf. Em 1993 ele cometeu um atentado contra outra jogadora, Monica Seles, concorrente da esportista. Graf não era a primeira personalidade que Günther idolatrava – ele já havia se fixado no papa João Paulo II . Sua obsessão pela tenista começou em 1985, quando a viu em um programa de televisão. A partir de então, passou a escrever cartas para ela e para sua mãe. Chegou a mandar-lhe dinheiro, forrou as paredes de seu quarto com fotos gigantescas da moça e não perdia nenhum de seus jogos. Ela era para ele “uma criatura de sonhos, com olhos de diamantes e cabelos de seda brilhantes”. Via nela características virtuosas, como “limpeza, sinceridade e pureza”. Mais tarde, psicólogos identificaram um distúrbio de personalidade narcisista em Günther P. O problema teria relação com a falta de atenção dos pais durante a infância. Seu objetivo ao tentar estabelecer uma ligação com Graf era fortalecer a própria identidade.

Quando a tenista foi derrotada por Monica Seles em 1990, durante o German Open, o mundo dele veio abaixo. “Isso me abalou tão fortemente que pensei em tirar minha própria vida”, contou mais tarde. Em abril de 1993, cometeu o atentado: cravou uma faca nas costas de Seles. Sua intenção era que sua adorada voltasse a ser a número um no ranking do tênis mundial.
Na divisão de psicologia forense de Darmstadt foi realizado o primeiro estudo sobre stalking de pessoas públicas em países de língua alemã. Para tanto, 53 personalidades conhecidas das áreas de entretenimento e da mídia foram entrevistadas. Mostrou-se que cerca de 80% delas já haviam estado na mira de um perseguidor pelo menos uma vez na vida – uma frequência aproximadamente oito vezes mais alta do que na média da população. A idade ou o sexo das estrelas não influenciavam o fato de serem alvo de perseguição obsessiva. Na verdade, foi muito mais decisiva a frequência com que aparecia na mídia. Aqueles que expõem sua vida privada, portanto, estão sob maior risco. São a essas pessoas que os stalkers se “apegam” com mais facilidade.

VERGONHA E CULPA

A maioria dos entrevistados por nós também desenvolveu, com o tempo, sintomas físicos e psíquicos. Vários se envergonhavam do ocorrido ou até mesmo se culpavam. Dois terços dos entrevistados sofriam de ataques de pânico, dificuldades de concentração, depressão ou distúrbios alimentares ou de sono. O estresse constante, além disso, era a causa de irritação, acessos de raiva e agressividade. Mesmo nos casos em que a situação de stalking havia chegado ao fim, os estados de ansiedade quase sempre se mantinham. Um em cada quatro entrevistados declarou já ter pensado em se matar ou mesmo já ter realizado uma tentativa concreta de suicídio.

Esses exemplos mostram que os perseguidores adquirem um poder fatal sobre a vida de suas vítimas, apesar de poucas vezes chegarem a agressões físicas. No entanto, em um de cada cinco casos, o ofensor utiliza violência física, não recuando diante de surras, ataques com armas ou mesmo tentativas de assassinato. Segundo uma análise do psicólogo Reid Meloy, para vítimas de stalking o risco de ser assassinadas é 50 vezes mais alto do que para a média da população. Nesse caso, ex-parceiros são os mais vulneráveis: e quanto mais intenso foi o relacionamento entre vítima e stalker, maior é o risco.

Em geral, porém, a situação não se agrava sem aviso prévio. Em todos os casos, o aconselhável é não lidar com o problema sozinho, mas buscar apoio psicológico e registrar um boletim de ocorrência. Tribunais de direito civil podem emitir uma proibição de aproximação e contato, mas, em geral um em cada cinco casos, isso desencadeia um perigoso agravamento, pois a vítima insulta o stalker, de certa forma, publicamente. Para alguns, a violência torna-se então a única possibilidade de compensar o orgulho ferido ou o desespero. De qualquer forma, vale lembrar que, apesar do risco, denúncias podem interromper a ação de ofensores, e terapias que tornem a vítima mais apta a se proteger, inclusive psiquicamente, oferecem suporte durante a situação de sofrimento, ajudando a pessoa a compreender as próprias questões, em geral antigas, que de alguma forma podem ter contribuído para essa situação.

Cientific Americam: Mente e Cérebro. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/amor_obsessivo_6.html>. Acesso em 28 de dezembro de 2010.

17 de dez. de 2010

José Saramago: O fator Deus

JOSÉ SARAMAGO

 

Algures na Índia. Uma fila de peças de artilharia em posição. Atado à boca de cada uma delas há um homem. No primeiro plano da fotografia um oficial britânico ergue a espada e vai dar ordem de fogo. Não dispomos de imagens do efeito dos disparos, mas até a mais obtusa das imaginações poderá "ver" cabeças e troncos dispersos pelo campo de tiro, restos sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os homens eram rebeldes.


Algures em Angola. Dois soldados portugueses levantam pelos braços um negro que talvez não esteja morto, outro soldado empunha um machete e prepara-se para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a primeira fotografia. Na segunda, desta vez há uma segunda fotografia, a cabeça já foi cortada, está espetada num pau, e os soldados riem. O negro era um guerrilheiro.

 

Algures em Israel. Enquanto alguns soldados israelitas imobilizam um palestino, outro militar parte-lhe à martelada os ossos da mão direita. O palestino tinha atirado pedras. Estados Unidos da América do Norte, cidade de Nova York. Dois aviões comerciais norte-americanos, sequestrados por terroristas relacionados com o integrismo islâmico, lançam-se contra as torres do World Trade Center e deitam-nas abaixo. Pelo mesmo processo um terceiro avião causa danos enormes no edifício do Pentágono, sede do poder bélico dos States. Os mortos, soterrados nos escombros, reduzidos a migalhas, volatilizados, contam-se por milhares.


As fotografias da Índia, de Angola e de Israel atiram-nos com o horror à cara, as vítimas são-nos mostradas no próprio instante da tortura, da agônica expectativa, da morte ignóbil. Em Nova York tudo pareceu irreal ao princípio, episódio repetido e sem novidade de mais uma catástrofe cinematográfica, realmente empolgante pelo grau de ilusão conseguido pelo engenheiro de efeitos especiais, mas limpo de estertores, de jorros de sangue, de carnes esmagadas, de ossos triturados, de merda. O horror, agachado como um animal imundo, esperou que saíssemos da estupefação para nos saltar à garganta. O horror disse pela primeira vez "aqui estou" quando aquelas pessoas saltaram para o vazio como se tivessem acabado de escolher uma morte que fosse sua. Agora o horror aparecerá a cada instante ao remover-se uma pedra, um pedaço de parede, uma chapa de alumínio retorcida, e será uma cabeça irreconhecível, um braço, uma perna, um abdômen desfeito, um tórax espalmado. Mas até mesmo isto é repetitivo e monótono, de certo modo já conhecido pelas imagens que nos chegaram daquele Ruanda-de-um-milhão-de-mortos, daquele Vietnã cozido a napalme, daquelas execuções em estádios cheios de gente, daqueles linchamentos e espancamentos daqueles soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, daquelas bombas atômicas que arrasaram e calcinaram Hiroshima e Nagasaki, daqueles crematórios nazistas a vomitar cinzas, daqueles caminhões a despejar cadáveres como se de lixo se tratasse.

 

De algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta aos seres humanos mortos das piores maneiras que seres humanos foram capazes de inventar. Uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em nome de Deus. Já foi dito que as religiões, todas elas, sem exceção, nunca serviram para aproximar e congraçar os homens, que, pelo contrário, foram e continuam a ser causa de sofrimentos inenarráveis, de morticínios, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana. Ao menos em sinal de respeito pela vida, deveríamos ter a coragem de proclamar em todas as circunstâncias esta verdade evidente e demonstrável, mas a maioria dos crentes de qualquer religião não só fingem ignorá-lo, como se levantam iracundos e intolerantes contra aqueles para quem Deus não é mais que um nome, nada mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com infernos, tão falsos uns como outros, insultos descarados a uma inteligência e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar.

 

Disse Nietzsche que tudo seria permitido se Deus não existisse, e eu respondo que precisamente por causa e em nome de Deus é que se tem permitido e justificado tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel. Durante séculos a Inquisição foi, ela também, como hoje os talebanes, uma organização terrorista que se dedicou a interpretar perversamente textos sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles dizia crer, um monstruoso conúbio pactuado entre a religião e o Estado contra a liberdade de consciência e contra o mais humano dos direitos: o direito a dizer não, o direito à heresia, o direito a escolher outra coisa, que isso só a palavra heresia significa.

 

E, contudo, Deus está inocente. Inocente como algo que não existe, que não existiu nem existirá nunca, inocente de haver criado um universo inteiro para colocar nele seres capazes de cometer os maiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que são celebrações do seu poder e da sua glória, enquanto os mortos se vão acumulando, estes das torres gêmeas de Nova York, e todos os outros que, em nome de um Deus tornado assassino pela vontade e pela ação dos homens, cobriram e teimam em cobrir de terror e sangue as páginas da história. Os deuses, acho eu, só existem no cérebro humano, prosperam ou definham dentro do mesmo universo que os inventou, mas o "fator Deus", esse, está presente na vida como se efetivamente fosse o dono e o senhor dela. Não é um deus, mas o "fator Deus" o que se exibe nas notas de dólar e se mostra nos cartazes que pedem para a América (a dos Estados Unidos, não a outra...) a bênção divina. E foi o "fator Deus" em que o deus islâmico se transformou, que atirou contra as torres do World Trade Center os aviões da revolta contra os desprezos e da vingança contra as humilhações. Dir-se-á que um deus andou a semear ventos e que outro deus responde agora com tempestades. É possível, é mesmo certo. Mas não foram eles, pobres deuses sem culpa, foi o "fator Deus", esse que é terrivelmente igual em todos os seres humanos onde quer que estejam e seja qual for a religião que professem, esse que tem intoxicado o pensamento e aberto as portas às intolerâncias mais sórdidas, esse que não respeita senão aquilo em que manda crer, esse que depois de presumir ter feito da besta um homem acabou por fazer do homem uma besta.


Ao leitor crente (de qualquer crença...) que tenha conseguido suportar a repugnância que estas palavras provavelmente lhe inspiraram, não peço que se passe ao ateísmo de quem as escreveu. Simplesmente lhe rogo que compreenda, pelo sentimento de não poder ser pela razão, que, se há Deus, há só um Deus, e que, na sua relação com ele, o que menos importa é o nome que lhe ensinaram a dar. E que desconfie do "fator Deus". Não faltam ao espírito humano inimigos, mas esse é um dos mais pertinazes e corrosivos. Como ficou demonstrado e desgraçadamente continuará a demonstrar-se.